De carona com o filho do John Fante
01/05/12 07:14From Dan Fante |
Semana passada, peguei uma carona com Dan Fante. Ele me chamou de marciana. “Como assim veio de ônibus?” Assim é Los Angeles, todo mundo tem carro e acha estranho quando alguém surge de busão.
Ele me levou para casa depois de um almoço no Musso & Frank, restaurante mais antigo de Hollywood, frequentado pelo seu pai, John Fante, e a nata literária da cidade, como Raymond Chandler, Dashiell Hammett e F. Scott Fitzgerald. Charles Bukowski também batia cartão aqui.
Conversamos sobre seu livro mais recente, “Fante – A Family’s Legacy of Writing, Drinking and Surviving”, suas memórias sobre seus dias loucos movidos a álcool, seus subempregos e, claro, a relação com seu pai (1909-1983).
Saiu uma matéria na Ilustrada de domingo, mas o espaço era tão pequeno que me revoltei não deu conta nem de um décimo do assunto. Vou jogar algumas coisas no blog.
Dan, 68, é o segundo dos quatro filhos que John Fante teve com Joyce, morta em 2005. O mais velho, Nick, morreu de tanto beber em 1997. Na foto abaixo, a tatuagem que Dan fez após a morte do irmão.
Além da relação com o pai, o livro também trata da agonia que John sentia de “ter se vendido” para os estúdios de cinema e deixado sua carreira literária de lado.
Filho de imigrantes italianos, John cresceu bastante pobre em Denver, Colorado, e se deixou levar pelos gordos cheques que ganhava como roteirista em Los Angeles, gastos em campos de golfe, longas noites de pôquer, carros usados (em dez anos, acumulou várias dezenas) e, claro, bebedeiras no Musso & Frank.
Também teve a fase dos cachorros. Chegou a ter dez, incluindo o violento Rocco, inspiração para o livro “My Dog Stupid”.
Lembro de reler “Pergunte ao Pó” e “Sonhos de Bunker Hill” e dar risada em voz alta com as canalhices de Arturo Bandini, seu alter-ego. Mas no livro do filho, John Fante aparece apenas canalha, sem o lado cômico.
Dan escreveu seu primeiro romance aos 47 anos, quando não tinha um centavo no bolso e voltava a morar com mãe. Desde os 10 anos ele já arriscava alguma coisa e, certa vez, resolveu mostrar um conto para o pai, que apenas disse: “Esqueça este lixo e se concentre em passar de ano. Face it, you are not a genius, kid.”
Quando fez 30 anos, voltou a falar com o pai. De folga dos empregos bizarros** em Nova York, Dan visitava a casa da mãe em Malibu e lia suas histórias para John, que passou a ser mais receptivo. Ele conta como a relação mudou:
“[Perdoei] meu pai quando percebi que ele não era o inimigo. Eu era o inimigo, eu tinha muitos problemas. Quando percebi isto, passei a ter mais compaixão, em vez de ficar irritado. Fernanda, ele não era uma pessoa fácil. Ele era intenso, meio como Picasso, sempre sofrendo, batalhando. Quando ele percebeu que eu estava escrevendo, começou a me apoiar mais, ficamos mais próximos. Você precisa aceitar seu pai do jeito que ele é. Viramos amigos.”
“É difícil descrever num livro. Mas meu pai era mágico. Quando ele falava, era lindo, parecia apresentador de noticiário de TV, gramática e dicção perfeitas. Era um cara esperto e muito engraçado, que leu de tudo, muito bem educado. Mas uma pessoa bastante incomum. Com uma presença forte. Você o conhece e sabe que está com alguém especial, mesmo sem saber quem é.”
Hoje, Dan tem 11 livros publicados, incluindo um de poesia e duas peças de teatro. A maioria ganhou ótimas resenhas. Recomendo seu romance de estreia, “Chump Change”.
Foi ele quem teve que tomar a decisão de desligar os aparelhos quando John Fante estava nas últimas no hospital. Dan também conta como ajudou John, cego e com as pernas amputadas, a terminar “Sonhos de Bunker Hill”, escolhendo a frase final do livro, uma aspas que Bandini rouba de Lewis Carroll.
Abaixo estão alguns vídeos caseiros que fiz com ele depois do almoço. Reparem nos anéis dourados nos dedos, o piercing no nariz e as pulseiras de ouro. A da mão esquerda foi feita com as plaquinhas de aniversário sem beber (ele tem 25!).
Amanhã eu posto mais uns trechos da entrevista e, nos dias seguintes, sobre a “Tour John Fante” e a “Tour Charles Bukowski” em Los Angeles.
(** Entre os “empregos bizarros” estão: apresentador de circo, vendedor de aspirador de pó, detetive, motorista de mafiosos, conselheiro amoroso, vendedor ambulante em Wall Street. Também foi taxista, motorista de limusine e criador de um programa de rádio com o primeiro super-herói negro dos EUA.)
Filho de peixe…Gostaria de leo livro dele.
Muito boa a entrevista, independente de se rilho de Fante o Dan é uma ótima personagem.
Vai entrevistar a Marina, filha do Bukowski?
Um beijo
Obrigada pelo comentário, Maurício! A Marina eu não conheço, mas fiz uma longa entrevista com a viúva do Bukowski, a Linda. Saiu na Ilustríssima faz um tempo e está online (pena que colocaram um erro no título e esqueceram de corrigir — ele nunca foi beat) Dá uma olhada aqui o link: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/881175-charles-bukowski-um-beat-entre-os-nobres.shtml
boa história.
Fernanda, que ótimo falar sobre a literatura norte-americana. É uma opinião minha, mas sempre achei que nós brasileiros nunca lemos o suficiente nomes como F. Scott Fitzgerald, Dashiell Hammett e mesmo John Fante. Creio que preferimos os escritores europeus. Ainda falando em americanos, William Faulkner é o meu preferido. Abração.
tem uma história engraçada do Faulkner no livro do Fante. Ele veio pra Hollywood escrever pros estúdios e vivia bêbado, faltava no trabalho, brigas homéricas com a mulher. bem curioso. Abraço!