Entrevista com o filho de John Fante - trechos
02/05/12 07:01Seguindo o post de ontem, vou jogar aqui alguns trechos da entrevista com Dan Fante:
“Meu pai não queria ser interpretado como radical. Queria ser convencional.”
Sobre a geração Beat:
“John Fante não era um admirador dos beats. ‘On The Road’ é um livro difícil de ler, você tem a impressão de que Jack Kerouac está bêbado o tempo todo, divagando sem parar. Ia contra a convenção literária. Meu pai não achava que era um bom livro e ele estava certo. Apesar de que…. ele admirava as pessoas pelo o que estavam fazendo, pela revolução literária, mas não admirava a literatura particularmente. Mas meu pai gostava de Ginsberg e Ferlinghetti.”
Sobre Charles Bukowski:
“Ele gostava de Bukowski, tiveram uma grande amizade. Mas meu pai não entendia o oba-oba com sua obra. Ele sentia a mesma coisa que eu. Bukowski era um grande poeta, toda poesia que eu escrevi é realmente por causa dele. Mas não gostava muito de seus romances, não eram grande literatura.”
Sobre religião:
“É bem interessante. Meu pai, quando jovem, teve várias experiências espirituais poderosas. Não coloquei isto no livro, mas talvez devesse. Ele era católico e, quando garoto, tinha visões da Virgem Maria. Ele era bem religioso, era um “altar boy” e foi católico a vida toda. Ia à igreja, não com muita frequência, mas ia. Muitas vezes ficava irritado com o padre, se levantava e ia embora no meio da missa. Mas ele tinha muitos amigos que eram padres e os admirava muito. Ele tinha grande admiração por pessoas de espiritualidade.”
Dois trechos bacanas do livro:
Processo de escrever – “Maior parte de seu trabalho fazia em casa, no meio da noite, entre três e seis da manhã, cartas, romances, roteiros. Desde cedo já sabia que só precisava de quatro horas de sono por dia. Sobrevivia de café e 50 cigarros por dia […] Primeiro escrevia e reescrevi o livro inteiro em sua cabeça. Por meses andava por ai grunhindo diálogos estranhos, rosnando para as pessoas. Depois, finalmente, sentava e escrevia tudo […] Às vezes, no jantar, ele contava um ou dois capítulos inteiros para a família.”
Sempre escritor – “Meu pai era um artista, ganhando, perdendo ou empatando. Ele evitou sua paixão por longos períodos mas nunca a negou […] A maioria de seus romances foi escrita por nada. Não por fama, não para reconhecimento. Ele escrevia porque era escritor […] Este exemplo de perseverança me fez amá-lo com todo meu coração.”
Dicas de John Fante para o filho Dan, tiradas do livro “Fante”:
“Stay with it kid, the more you write the better you will get”.
“Give it until you’re fifty, Dan. You might be a writer too. Just don’t rush it. Let it come to you. Keep trying”.
“Look, I have said before, give it time, kid. A man has to mature, to discover himself. I wish to Christ I’d started later – that I hadn’t derailed my life at the studios.”
Amanhã eu posto aqui sobre a Tour John Fante em Los Angeles
Fernanda, parabéns pela excelente matéria, no jornal e no blog. Sou um grande leitor do Fante pai e por coincidência estou lendo neste momento o livro de contos “O Vinho da Juventude”, que ainda não havia lido. Para minha surpresa, Fante é ainda maior como contista do que como romancista. Pareceu-me ser um dos raros escritores que seguiu com sucesso a difícil concepção de Tchekhov de histórias curtas “sem enredo”, início ou fim. Fiquei imaginando se ele era realmente leitor de Tchekhov e aí na sua reportagem o filho diz que ele lia de tudo. Ele por acaso mencionou (na entrevista ou no livro) as principais influências literárias do pai? Será que ele realmente lia os russos? (o livro de contos, que em essência são suas memórias infantis, lembra um pouco também a trilogia memorialistica de Górki). Saudações, Cássio.
Oi Cassio! Muito obrigada! Nao lembro de russos em específico. Mas lembro de uma história curiosa. No livro, o pai diz ao filho que lhe pagaria cinco dólares por livro lido. O Dan vai até a prateleira enorme que cobria toda a parede da sala e pega “The Call of the Wild”, Jack London. O pai apenas diz: “boa escolha, este cara era um grande escritor!” Vou dar uma olhada no livro de novo, procurar umas referências, é uma pergunta interessante e acho que ele nao fala muito disto, não.
Concordo plenamente com o mestre Fante sobre o Bukowski: Bukowski era, verdadeiramente, um poeta. Seus poemas são muito superiores às prosas. Adoro o livro: “Sifting Through the Madness for the Word, the Line, the Way”.
Olá Fernanda. Obrigado por compartilhar esse universo com a gente. Sou apaixonado por Fante e li toda sua obra em português. Tenho uma queda especial por “1933 Foi um Ano Ruim” e “Espere a Primavera, Bandini”. Mas confesso que achei ruim a adaptação para a telona de “Pergunte ao Pó”, e vendo essa relação de amor e ódio do Fante com o cinema, fiquei curioso em saber qual seria sua opinião a respeito do filme.
Embora lembre de ter lido o Bukowski relatar alguns elogios do Fante à sua obra em um par de contos, também acho que – à exceção de “Misto Quente”- o velho safado era muito melhor poeta que romancista.
Aguardo com ansiedade pelo Tour John Fante, tomando nota dos lugares para visita-los quando tiver a oportunidade de conhecer a cidade proibida.
Beijos!
oi Rodrigo, obrigada pelo comentário, muito bacana. Então, eu não vi o filme, mas o Dan Fante me contou o seguinte:
“Você viu o filme? Era péssimo, não veja. É uma pena. Eu vi o filme antes do lançamento, era bem bom. Mas o produtor e o diretor cortaram um monte de coisa, perdeu o fogo, a raiva. É apenas Colin Farrell ‘looking pretty’. Tiraram todo o fogo do personagem, todo o poder que tinha ‘Pergunte ao Pó'”
Tem outro filme baseado em livro dele, chamado “Full of Life”, publicado em 1952.
Outra dica: vai atrás do livro “Road to Los Angeles”. É um dos primeiros livros que ele escreveu, aos 20, 21 anos, mas foi rejeitado e só publicado 60 anos depois. O filho diz que é meio um “Apanhador no Campo de Centeio”, 30 anos antes, e um dos melhores trabalhos do pai.
Daqui a pouco escrevo o tour fante, pra amanha! abraçao!