Los Angeles de Arturo Bandini
03/05/12 07:00From Dan Fante |
Para quem vier a Los Angeles para uma peregrinação em Bunker Hill é bom saber: Bunker Hill não existe. O bairro, um dos primeiros subúrbios de Los Angeles, foi destruído no final dos anos 60. O tal do “hill” (colina) foi aplainado, fazendo sumir mais de 7 mil casas e apartamentos.
Mas ainda restam cenários de Los Angeles por onde circularam John Fante (1909-1983) e seu intrépido personagem alter-ego Arturo Bandini. Charles Bukowski também se mudou para Bunker Hill depois de ler “Pergunte ao Pó”.
No mês passado, no dia em que Fante completaria 103 anos, fiz um tour de uma empresa chamada Esotouric, fundada por Richard Schave, mesmo figura que batalhou para a prefeitura colocar a placa do foto acima, que levou uns três anos e só foi instalada em 2010.
Schave diz que Fante é incrivelmente pouco apreciado nos EUA, com mais fama na Europa. Tanto que esta tour só é feita uma vez por ano.
Bunker Hill, ele diz, era como as casinhas de madeira estilo vitoriano que ainda existem em San Francisco. No busão do tour, ele passa vários vídeos de como era antes enquanto passamos pelas mesmas ruas, agora com prédios monstruosos de vidro.
A placa acima fica na esquina da Biblioteca Central, entre Grand Avenue a 5th Street. De “praça” (square), não tem nada e nem vale a pena ir só para ver. Mas pode valer para dar uma entrada na biblioteca. Era aqui que Charles Bukowski frequentava e onde leu Fante pela primeira vez (para ser mais exata, na parte onde hoje é “Children’s Literature”).
From Dan Fante |
O que sobrou de Bunker Hill é bondinho “Angels Flight“, apelidado de “a menor rodovia do mundo”, que levava ao topo do bairro. Na verdade, mudaram o bondinho um quarteirão de distância e hoje leva a lugar nenhum (quer dizer, leva a uma praça sem graça com um monte de arranha-céu) por 50 centavos de dólar.
Bandini pegava o Angels Flight (ou descia pela escadaria para não pagar) para chegar ao centrão de Los Angeles ou ir ao mercadão Grand Central, bem em frente, que funciona desde 1917. É aqui que ele comprava suas laranjas do japonês simpático em “Pergunte ao Pó” (1939) ou “Sonhos de Bunker Hill” (1982).
From Dan Fante |
Perto também ficava a loja da Goodwill, onde Bandini comprava suas roupas usadas com os cheques que recebia do editor. Mas hoje o lugar é uma igreja, entre a Broadway Street e a 3rd St. Aquele bar de striptease Follies, que Bandini se apaixona por uma dançarina e manda uma carta bregosa para ela, é hoje um estacionamento, na altura do número 550 da Main St.
Para entrar no clima boêmio, siga para o “dive bar” King Eddy Saloon, cujo logo é “Where nobody gives a shit about your name”. Fante frequentava bastante aqui, assim como Charles Bukowski, quando ambos não estavam no Musso & Frank, em Hollywood. E Bandini vem torrar uma grana que recebe da mãe pelo correio.
O bar fica na Los Angeles Street com a 5th St. É um lugar meio barra pesada para ir à noite sozinho. De dia é tranquilo. Como quase todos os bares históricos de LA, este também tem hoje televisões passando jogo. Meio deprê.
From Dan Fante |
From Dan Fante |
Para uma passagem mais santa, ao estilo “altar boy” de Fante, vá às raízes mexicanas de Los Angeles, no bairro El Pueblo.
Quem não lembra da igreja La Placita? Bandini entra desesperado (acho que passava por um bloqueio de escritor) e é abordado por uma prostituta enquanto reza. Ele recusa o programa, mas depois morre de inveja ao vê-la saindo com um mexicano. Ele xinga os mexicanos e a espera. No quarto com ela, Bandini tem medo, não fazem sexo e ele apenas dá quase todo seu dinheiro para ela.
From Dan Fante |
Bom, a igreja existe e vai bem (foto acima). Fica numa parte histórica da cidade bacana, na Spring Street, quase em frente a um prédio que foi um dia um hotel famoso, Pico House ou National Hotel, “o mais fino do sul da Califórnia”, no começo do século 20. Fante se hospedou aqui nos anos 30.
Também perto fica a Olvera Street, rua mais antiga da cidade, repleta de lojinhas de souvernires mexicanos.
From Dan Fante |
Amanhã, posto a Los Angeles de Charles Bukowski.
fico muito feliz em saber que um parente foi tao peitudo como dizem os gauchos de santa maria.rs onde concentra a maioria de seus familiares que vieram da italia em meados de 1890 a 1902.como meu avo,frederico filho de felicita.um abraço a todos seus simpatizantes.
É, Fernanda, não haveria Fante, Bukowski, Henry Miller e muitos outros sem Hamsum…
Adorei saber q ele era o autor favorito do Fante.
É preciso uma certa coragem para encarar esses tours, eu acho. Ver como tudo virou pó (ou melhor, concreto e vidro, o que é pior)!
E tevê nos bares, como aqui, ai!
Vc desvendou um mistério para mim. Li todos os livros do Fante na juventude e, eem 2001, foi pra LA cobrir um jogo da seleção. Tentei encontrar algum rastro dele e de Bunker Hill. Mas nada. Muito legal a série toda. Parabéns.
que bom que gostou! adorei seu comentario, obrigada. quando cheguei aqui, tinha a mesma impressao. acontece que a gente esquece que ask the dust eh de 1939 e as cidades mudam radicalmente, principalmente Los Angeles, super mutante. Amanha tem Charles Bukowski! Beijao!
Fernanda, muito bom o prosseguimento da matéria. Pena que hoje em dia já não dá mais para encontrar estas abordagens mais extensas na Folha (ou em qualquer jornal). Continuando no comentário que enviei ontem, sobre as influências literárias de Fante. Interessante a observação de que Fante não é tão conhecido nos EUA quanto na Europa (e aqui no Brasil ele já tem uma boa legião de fãs graças às recentes edições da LPM e José Olympio). Talvez por ser mesmo um escritor “europeu” desterrado e perdido no Colorado; e Bandini afinal é um personagem um pouco picaresco e fanfarrão, algo pouco comum na literatura americana (salvo, talvez, em Poe). Como vc. disse que Fante era um colecionador meio compulsivo e tinha uma parede cheia de livros, imagino que ele não costumava se desfazer da sua biblioteca. Onde será que ela foi parar? O Dan Fante comentou? Aí nos EUA é comum que elas sejam mantidas em universidades. Se vc. descobrir, por favor me conte (e também se Fante lia Tchekhov). Um abraço, Cássio.
Oi Cassio! Não achei referências a Tchekhov. Mas vou mandar um email pro Dante Fante, quem sabe ele responde. Sobre a coleção do pai: no final do livro, ele conta que uma cidadezinha na Itália (Torricella Peligna, onde nasceu o pai do John Fante) queria comprar a coleção e fazer um museu. Dan passou a frequentar bastante a Itália. A cidade tem um festival literário com o nome John Fante. Bom, ao mesmo tempo, em 2009 acho, a UCLA fez uma proposta para a família (três filhos restantes) para comprar a coleção. Dan queria que fosse para Itália, mas perdeu na votação, os dois irmãos queriam que ficasse em Los Angeles. Agora, não sei se isto inclui os livros da coleção pessoal. A coleção toda do Bukowski foi vendida/emprestada no ano passado para a Huntington Library (um lugar lindo lindo lindo).
Oi Cassio, perguntei pro Dan Fante e ele respondeu apenas isto: “o escritor favorito de John Fante era Knut Hamsun. Ele também gostava muito de Dostoyevsky.” Abraço!
Consigo imaginar os sonhos do escritor iniciante perdido na urbe olhando essas fotos, mas não imagino suas angústias e incertezas enfrentando o paradoxo da crença inabalável e inspiração escassa. Nessas ruas reformadas não imagino Bandini “vivendo” para poder escrever…