É uma daquelas histórias com cara de Califórnia, berço dos hippies e da maconha medicinal.
Uma TV inglesa fez uma matéria (vídeo abaixo) com umas “dondocas” de Beverly Hills, mães casadas e algumas donas de casa, que se encontram regularmente para fumar maconha e preparar jantares turbinados de cannabis.
“Todas nós já cruzamos com gente que acredita que marijuana é para drogados, mas nós somos a prova de que podemos ser bons pais e membros produtivos da sociedade”, diz Cheryl Shuman, 53 anos, mãe de dois.
Uma das mães aparece no vídeo lendo um livro infantil para a filha pequena, explicando o que é marijuana e o que é um baseado.
Na Califórnia, o uso de maconha medicinal é legalizado (é preciso apenas ter uma carteirinha médica).
cartaz no bar de Denver, onde ativistas seguiram a apuração dos votos do referendo na noite de terça
Ao som de Bob Marley, conversei com Brian Vicente, diretor da campanha do referendo que legalizou hoje o uso recreativo da maconha no Estado do Colorado.
Folha – O que acontece a partir de amanhã? Não será mais crime fumar maconha em Colorado?
Brian Vicente – Isto acontecerá após assinatura do governador, e ele tem obrigação de fazer isto em 30 dias. Ao mesmo tempo, acredito que a polícia recebeu a mensagem do povo do Colorado, que estamos por aqui com a proibição da maconha, que estamos por aqui com a detenção de adultos por causa de pequenas quantidades de maconha. É um passo a frente.
Folha – E o governo federal, como eles podem interferir?
Brian Vicente – O governo federal não pode impedir o Colorado de legalizar maconha para seus cidadãos, mas pode tentar impedir que o Estado permita e taxe lojas que vendam a droga. Mas estas lojas não vão existir até pelo menos janeiro de 2014. Então temos esta janela de implementação. Acreditamos e temos esperança de que o governo faça a coisa certa e deixe os Estados liderarem esta mudança porque claramente a proibição da maconha é um fracasso.
Folha – Como acha que será a repercussão pelo país?
Brian Vicente – Acho que um bom número de Estados vai dar uma boa olhada para o Colorado e perceber que a proibição custa um bocado de dinheiro para eles, que está enchendo suas prisões. E eles vão dizer: “Olhe para o Colorado, eles estão cobrando impostos sobre isto, estão tirando as drogas das esquinas e colocando nas lojas”. E isto é a melhor coisa para os Estados.
Folha – Sobre os impostos, qual a estimativa de arrecadação?
Brian Vicente – A medida prevê novos impostos de US$ 60 milhões todos os anos para o Colorado, começando em 2014. Depois de cinco anos, acreditamos que este número possa subir para até US$ 100 ou 125 milhões em impostos sobre receita. E esta é uma receita que atualmente está na mão de cartéis, no submundo, e agora poderá ser capturada pelo Estado. Os primeiros US$ 40 milhões arrecadados todos os anos serão dedicados para construção de escolas públicas, seja para fazer novas, reformar ou para atualizar tecnologicamente.
Folha – E os fazendeiros, quando é que eles vão poder começar a plantar cânhamo? Haverá de fato interesse em entrar no ramo?
Brian Vicente – Os legisladores vão decidir as regras ao longo de 2013, como dar licenças para os fazendeiros poderem cultivar cânhamo e também maconha. Então não vamos ver nenhuma grande escala de cultivo nos próximos nove ou doze meses.
A entrevistada do final do vídeo é a eleitora americana Annie Eastman, diretora de cinema. Ela fala português fluente, aprendeu depois de morar dois anos na Bahia.
Coincidentemente, a conheci enquanto entrevistava o povo aqui numa zona eleitoral de Denver.
Annie lançou um filme sobre o Brasil neste ano, “Bay of All Saints”, sobre as moradias em palafita. Disse que foi exibido em São Paulo no festival de documentários É Tudo Verdade. Trailer aqui.
Uma nota sobre o vídeo acima: quando falo sobre os R$ 20 milhões, são em impostos que os “dispensaries” (ou lojas de maconha) pagaram em 2011 para o Estado do Colorado.
Estou em Denver, cidade do Colorado, para cobrir a possível legalização da maconha nos EUA. Outros dois Estados também tentam: Oregon e Washington.
Escolhemos Denver porque fica num Estado no qual a disputa entre Obama e Romney é acirrada (swing state). E os “maconheiros”, ou melhor, os ativistas da maconha, podem ser influentes nesta eleição.
Hoje conversei com alguns, como Kayvan Khalatbari, da foto acima.
Ele é americano, filho de iranianos e um dos donos de uma loja de “medical marijuana” chamada Denver Relief, uma das mais antigas da cidade (existe há quatro anos) e que atende dois mil clientes por mês (ou pacientes, como eles preferem chamar).
O Colorado possuiu cerca de 500 lojas do tipo (chamadas de “dispensaries), que renderam ao Estado em 2011 o equivalente em R$ 20 milhões em impostos. Se aprovado o referendo, as lojas atuais não precisarão pagar mais imposto, e os donos terão preferência e desconto para abrir estabelecimentos da droga para uso recreativo.
“Com a legalização, haverá uma produção em massa, a qualidade deve cair. Quero continuar com meu produto de qualidade”, disse Kayvan, que pretende esperar a reação do governo federal antes de entrar na nova empreitada.
Como muitos defensores da causa, ele votará para presidente no candidato “nanico” Gary Johnson, ex-republicano que apoia o fim da guerra às drogas. Há quem acredite que Johnson possa conseguir votos de protesto de quem normalmente votaria em Obama, fortalecendo Romney.
“Obama não cumpriu com sua palavra”, disse Kayvan sobre a promessa de campanha do presidente de não interferir nas leis estaduais de maconha medicinal.
Também acompanhei um pouco do trabalho de Betty Aldworth, de camiseta branca na foto acima, uma das diretoras da campanha do sim pela legalização da droga no Estado.
Fui encontrar com ela às 7h de segunda-feira — quem disse que os ativistas da maconha são devagar? Estava um frio do cão, três graus. E, mesmo assim, ela não parou de abanar o cartaz para os motoristas (observem a luva de neve!).
“Estamos cautelosamente otimistas”, ela disse. “Nosso desafio amanhã (terça) é comparecimento nas urnas, é fazer os jovens saírem de casa e votar.”
O referendo da Emenda 64 quer fazer da maconha uma droga controlada e taxada pelo Estado com regras parecidas com o álcool, vendida em lojas para maiores de 21 anos. O Colorado tem a regulamentação mais eficiente e pró-lucro entre os Estados que permitem maconha medicinal, ao contrário, por exemplo, da Califórnia, onde cada condado tem uma lei diferente e proíbe o lucro.
“Denver não será uma nova Amsterdã. As lojas serão como lojas de bebidas alcoólicas, e não coffee shops. Pelo menos no começo”, explica Betty, acrescentando que levaria ao menos um ano para ver estabelecimentos do tipo.
bandeira americana feita de cânhamo, tecido da planta da maconha, em museu em Oakland, Califórnia
Após o fracasso do referendo de 2010 na Califórnia, três outros Estados tentarão legalizar o uso recreativo da maconha nesta terça-feira: Washington, Oregon e Colorado.
Ainda assim, para o governo federal, a droga continuará sendo ilegal e considerada de alto risco.
Pesquisas de intenções de voto nas três regiões mostram disputas acirradas. Em Washington, por exemplo, 48% apoiam a legalização, e 44% são contra, com margem de erro de 4,5%. Em 2010, o “não” venceu na Califórnia com 53%.
No Colorado, mais de 300 médicos se uniram à campanha do sim, que quer permitir a venda da droga em lojas para maiores de 21 anos e regulação tributária como álcool. Numa pesquisa divulgada no domingo, 50% dos entrevistados disseram que votariam sim.
Outros dois Estados tentam se juntar aos 17 que já legalizaram o uso medicinal da substância (Arkansas e Massachusetts), embora o governo Obama tenha, no último ano, apertado o cerco contra plantadores e fechado inúmeras lojas, muitos dos quais em dia com as leis estaduais.
Para Steve D’Angelo, fundador da maior loja de maconha medicinal nos EUA, em Oakland (Califórnia), a derrota do referendo de 2010 foi a desculpa para agentes federais aumentarem suas buscas e apreensão.
Apesar dos inúmeros pedidos de grupos oponentes, o governo federal não se manifestou sobre os três referendos de terça.
O jornalista americano Doug Fine não está chapado, apesar do nome de seu terceiro livro investigativo, “Too High to Fail — Cannabis and the New Green Economic Revolution” (ed. Penguim/Gotham; numa tradução livre, “Muito Chapado para Fracassar — Cannabis e a Nova Revolução Econômica Verde).
Ele acredita que a legalização da maconha possa ajudar a salvar a economia dos EUA e, para provar sua tese, passou um ano numa comunidade rural que tem, na droga, 80% de sua economia, ou US$ 8 bilhões por ano.
Autoridades locais apoiam e protegem os plantadores com um programa de licença inédito, que cobra pelo registro de até 99 plantas.
Esse lugar, acreditem, fica no próprio EUA, ao norte da Califórnia, no condado de Mendocino, onde Fine acompanha o ciclo de uma plantação, da semente geneticamente modificada à droga final nas mãos dos pacientes.
O livro é lançado no momento em que três Estados americanos se preparam para votar, nas eleições de novembro, pela legalização do uso recreativo para adultos.
Ao mesmo tempo, o governo federal continua a considerá-la uma droga ilegal, sem valor medicinal e altamente viciadora, liderando uma guerra contra os 17 Estados que liberaram a planta para fins médicos.
Segundo um professor de economia de Harvard, entrevistado no livro, a droga poderia ter rendido aos cofres do governo US$ 6,2 bilhões em impostos em 2011 e, após sua legalização, esse número poderia subir para US$ 47 bilhões.
Fazia tempo que não via um documentário musical tão incrível. Porque, vamos combinar, os últimos (George Harrison, Pearl Jam, Rolling Stones) eram tão chapa-branca que davam vergonha alheia.
Mas “Marley” é diferente. É um filme sobre Bob Marley, sobre reggae, sobre Jamaica, sobre África. As duas horas e meia de duração passam voando.
Ao mesmo tempo em que transforma Marley em deus, o filme deixa claro que é um deus bem cheio de falhas. É um Che Guevara da música, um símbolo social e também um estereótipo multiplicado em estampas de camiseta.
É emocionante quando ele volta à Jamaica em 1978 para fazer um show pela paz, num país em frangalhos por causa da guerra civil, e consegue levar ao palco os dois líderes dos partidos rivais, que se dão as mãos para delírio da platéia.
Ele também vai ao Gabão e descobre apenas ao chegar lá que está sendo convidado por um dos piores ditadores africanos. Marley e sua banda tocam mesmo assim. E há também cenas da independência do Zimbábue, em 1980, no qual Marley vai tocar para o recém-eleito Robert Mugabe, até hoje no poder…
O filme começa em Gana, uma cena estranha, no qual um guia mostra o grande portão “Door of No Return” – onde os escravos eram embarcados e não voltavam mais. Depois, vai para o interior da Jamaica, aquela pobreza cinematográfica, e fala da infância de Marley, do pai branco, do preconceito por ser mulato, da música como escape e, claro, do encontro com a religião Rastafari.
Aqui é outra aula de história. Mas confesso que não entendi muito bem a veneração que os rastas têm com o imperador da Etiópia Haile Selassie I (1930-1974), suposta reencarnação de Jesus.
Enfim… mas é a religião que serve de “desculpa” para a mulher de Bob Marley, Rita, aceitar todas as traições (ele teve 11 filhos de sete mulheres diferentes). “Eu era como um anjo guardião, estava lá para cuidar dele. Para mim, estávamos numa missão espiritual”, ela diz.
Dois dos filhos aparecem, lembram do pai maconheiro e da dificuldade de ter amiguinhos em casa. Outras mulheres também aparecem: umas dizem que ele era bastante tímido, outras que era um galanteador de primeira.
É curioso como ele construiu seu público primeiro na Europa e teve problemas em alcançar os negros nos EUA. Seus shows em cidades americanas lotavam, mas só de brancos.
E, de uma hora para a outra, ele é diagnosticado com câncer, espalhado pelo corpo todo. De repente, o show do dia vira o último da carreira, em Pittsburgh, 1980. E ele some para se tratar num retiro holístico na Alemanha, numa cidade coberta de neve. Marley perde os dreads, aparece fraco. Morre em maio de 1981.
Anos antes, em 1977, ele tinha sofrido melanoma, um câncer de pele, e quase perdido um dedão do pé. O problema aparecera após ele se machucar jogando futebol, uma de suas paixões. Mas é triste quando um entrevistado lembra: “Se ele tivesse feito os check-ups nos anos seguintes, ele poderia estar vivo ainda hoje.”
PS – as fotos do post são do filme “Marley”, de Kevin Macdonald (“O Último Rei da Escócia”, “Being Mick”)
A cidade de Oakland fica perto de San Francisco, na Califórnia.
Até março, a prefeitura só dava permissão para quatro lojas de maconha medicinal (agora são oito). Em comparação, no auge do negócio, Los Angeles chegou a ter milhares, mais até do que Starbucks.
Ainda assim, Oakland virou um importante centro da indústria graças ao ativista Richard Lee, principal concorrente da Harborside (a maior loja de maconha do mundo) e responsável pelo plebiscito fracassado da legalização da droga no Estado em 2010 (ele gastou US$ 1,5 milhão do próprio bolso no referendo).
Lee é fundador de uma escola da maconha, de um museu da maconha, de uma revista de maconha e de uma loja de maconha, tudo localizado no mesmo bairro do centro da cidade, apelidado de Oaksterdam, trocadilho com Amsterdã.
Mas o futuro do bairro está em jogo desde que a Polícia Federal fechou os estabelecimentos no começo do mês (o governo federal considera maconha droga ilegal, apesar do Estado dar permissão de venda para clientes cadastrados).
Lee deve ir a tribunal e pode pegar pena de mais de 13 anos. Será mais um longo capítulo de sua história defendendo a planta. Ele acha que está sendo “punido” por causa do referendo de 2010 e agora quer vender seus negócios, praticamente falidos após a apreensão.
Oaksterdam University é a primeira escola do país com cursos sobre a indústria da maconha. Foi fundada em 2007 e tem unidades em três outras cidades. Já treinou mais de 15 mil alunos e dá aulas para aprender a plantar outdoor ou indoor, aulas de direito, de história, ciências etc.
O museu fica a um quarteirão de distância da escola e tem entrada gratuita. É um museu bem mambembe, meio feira de ciências. Conta a história da planta e expõe objetos feitos de maconha, como uma bandeira dos EUA e uma pia de cozinha.
Acima, foto e vídeo, é Stephen DeAngelo, diretor-executivo da Harborside Health Center, maior loja de maconha legalizada do mundo, em Oakland, Califórnia (veja mais no post abaixo). Ele mostra uma das vitrines e sua seleção de “remédios”. “Temos de tudo desde loções, tinturas (?), cápsulas, óleos, concentrados e, claro, ‘cannabis flowers'”, diz.
O vídeo acima é com o vendedor Austin. Ele diz que tem para vender diariamente entre 50 e 70 variedades da planta. Afirma que algumas são boas para dor ou inflamações, outras para abrir o apetite (embora nada disto esteja comprovado cientificamente). Cada muda custa em média 12 dólares.
A Harborside Health Center foi tema de um programa de TV de quatro episódios da Discovery nos EUA, no final de 2011. A série “Weed Wars” será exibida em junho no Brasil.
O vídeo acima, do programa, mostra a entrevista que o candidato a comprador de maconha medicinal tem que passar para poder comprar a carteirinha. Abaixo, o “trailer” de “Weed Wars”.
Maconha nos EUA
Em 1937, vira droga ilegal.
Em 1996, California legaliza uso medicinal.
Hoje, 16 Estados possuem leis parecidas.
Colorado é o único Estado que permite lucro das lojas
O governo federal ainda considera droga ilegal, como heroína
Governo de Barack Obama, que havia prometido respeitar leis estaduais, já conduziu mais de 200 ações de apreensão contra plantadores e lojas
Na Califórnia, em março, Oakland aprovou a abertura de outras quatro lojas, levando o total para oito. Enquanto isso, em Los Angeles, a prefeitura estuda uma proibição geral dos estabelecimentos, que variam de 500 a 1.000.
AMANHÃ – publico aqui sobre o bairro de Oaksterdam, trocadilho com Amsterdã, onde existiam um museu da maconha e uma escola da maconha. Ambos foram fechados pela polícia em abril e seu futuro agora é incerto.